Ao menos quatro feiras de sementes foram realizadas no Paraná, em agosto. Espaços reforçam necessidade de preservação da sementes crioulas e fortalecem relações da prática agroecológica no campo e na cidade
Texto: Franciely Petry Scharamm
Fotos: Mônica Andrade Luz
Colaborou: Luis Alves Pequeno
Não só diferentes variedades de plantas podem ser encontradas nas feiras de sementes que estão sendo realizadas em todo o mês de agosto, no Paraná. Quem participou da 4ª Festa da Semente Crioula de Mandirituba, no último domingo (28), também encontrou troca, partilha, resistência, preservação e novos conhecimentos.
Organizada por uma rede de entidades, movimentos sociais, sindicatos e apoiadores/as, a festa foi realizada na sede da Associação Brasileira de Amparo à Infância (ABAI), e reuniu pessoas de todo o estado – entre faxinalenses, quilombolas, indígenas, sem-terras, pequenos agricultores agricultoras.
Essa foi uma das quatro feiras regionais que foram realizadas no Paraná, neste mês. Além de Mandirituba, na região metropolitana de Curitiba, atividades semelhantes foram realizadas nas cidades de Francisco Beltrão, Palmeira, e na Terra Indígena de Pinhalzinho, em Tomazina.
Assessor técnico da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, André Jantara explica que as feiras são espaços onde agricultores e agricultoras podem trocar e comercializar suas variedades de sementes crioulas, de forma a garantir a conservação e a multiplicação dessas diferentes espécies, que estão sendo ameaças com a expansão do agronegócio – como através da utilização de agrotóxicos e de sementes transgênicas.
Segundo levantamento realizado pela AS-PTA, quase 130 variedades de milho crioulo podiam ser encontradas há 10 anos na região Norte do Paraná. Atualmente, é difícil encontrar mais de 50 variedades.
“Uma das coisas importantes que se tem nessas feiras é o resgate e a valorização das sementes crioulas. Elas não vem num ‘pacote’ fechado, como se vê nos ‘pacotes convencionais’”, aponta Jantara. Sementes transgênicas produzidas por transnacionais como Monsanto são vendidas associadas a outros produtos fabricados pela mesma empresa. A pessoa que compra uma variedade geneticamente modificada para ser resistente a um determinado pesticida, por exemplo, obrigatoriamente comprará esse pesticida para utilizar na sua plantação.
“O agricultor ou agricultora pode levar a semente crioula pra casa e multiplicar. Assim ele pode ter uma semente própria, e não depender de empresas”, fala. Nesse modelo de comercialização por parte de grandes empresas, passa a ser obrigatório a aquisição de novas sementes, em toda nova safra. Um projeto de lei em discussão na Câmara dos Deputados quer aprovar a liberação da semente transgênica conhecida como terminator ou suicida. As plantas geradas a partir dessas sementes geneticamente modificadas são estéreis, ou seja, não germinam após a colheita, e fazem com que produtores e produtoras se tornem cada vez mais dependentes dessas empresas.
“As multinacionais querem acabar com a semente crioula e colocar no lugar o milho transgênico”, alerta Jantara. “A gente tem que partilhar com o próximo e tentar multiplicar essa prática ainda mais. Se a semente do guardião for contaminada por alguma plantação transgênica que esteja próxima, não tem mais volta”.
Trocas e partilhas
Para além da tradicional troca e comercialização de sementes, o espírito da Economia Popular Solidária também tomou conta dos espaços. Além da alimentação, do afeto, respeito e da admiração compartilhada por diferentes pessoas, participantes desses eventos também podem trocar experiencias e saberes – na Festa em Mandirituba, por exemplo, cinco oficinas relacionadas à agroecologia foram ofertadas.
Participando pela terceira vez da atividade, a agricultora Gisela Silveira conta que esses espaços ajudam a apontar a importância da agroecologia e da transmissão da cultura crioula. “Ela não pode se perder”, fala. “E esse é um espaço de interagir, de conhecer novas coisas”.
Durante as feiras, também são expostos produtos produzidos por grupos de artesanatos e empreendimentos de economia solidária – como de Clubes de Trocas – da região, além de produtos oriundos da agricultura familiar de diferentes partes do estado.
Acompanhando o desenvolvimento das diferentes feiras que estão sendo realizadas no Paraná, a membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e integrante da Congregação Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, a Irmã Hulda Lia Francener conta que as atividades começaram como encaminhamento de compromissos locais assumidos a partir das Romarias da Terra das Águas, atividades estaduais realizada em todo o Brasil, em lugares onde haja fatos significativos da luta pela terra e da permanência no campo.
“Hoje a festa foi se espalhando, como a semente que vai se espalhando por aí”, compara. “Se criou agora uma sementeira em diversos lugares: a sementeira da vida com dignidade, uma vida saudável.”
O campo e a cidade
As atividades das feiras de sementes não são voltadas apenas para produtores e produtoras rurais. Estimula-se que mesmo pessoas que vivam em centros urbanos participem do evento, para que possam conhecer e multiplicar a importância de conservação e manutenção das sementes crioulas e da produção agroecológica. Além disso, oficinas também buscar abordar a possibilidade de agricultura e jardinagem urbana.
Participando da atividade, a integrante do Conselho do Cefuria, Luzia Nunes, explica que a instituição, enquanto um Centro de Formação Urbano Rural, tem em seu cerne a relação entre campo e cidade. Ela diz que é necessário também levar para os espaços urbanos a importância de estar contribuindo com uma produção saudável, seja através do cuidado ou pela opção no consumo. “Juntos somos capazes vencer essa grande batalha contra o latifúndio e contra empresas que reforçam a desigualdade”.
Para mostrar que a luta do campo e da cidade estão muito próximas – e que fortalecer uma é fortalecer a outra – estiveram presentes na Festa da Semente de Mandirituba algumas pessoas que estão acompanhando as atividades desenvolvidas pelo Cefuria através do Coopera Rua. O projeto prevê o fortalecimento da população em situação de rua de Curitiba através da aproximação com a economia popular solidária.
Integrante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), Sara de Oliveira conta que participou de uma oficina, onde aprendeu a manusear a terra, fazer o cultivo e a extração de sementes de plantas. “Isso eu vou levar pra minha cidade e comentar com as minhas colegas, pra gente colocar em prática”, comenta. Questionada sobre o que mais lhe chamou a atenção na atividade, a jovem logo responde: “Foi observar a criatividade e a diversidade de todos que estavam aí”.
A Festa da Semente de Mandirituba foi a segunda atividade do tipo que Hélcio Luiz Machado participou. O rapaz, que também acompanha as atividades do Coopera Rua, já participou da 14 Feira Regional de sementes crioulas e da agrobiodiversidade, em Palmeira, no início do mês.
Hélcio já trabalha com paisagismo com artesanato a partir da reutilização de pneus. Ele fala que a participação nesses espaços vem contribuindo com seu trabalho. “É uma experiência boa ter o conhecimento e aprender como mexer com o solo, trabalhar com o solo. A cada feira que eu participo eu aprendo mais”, conta. E mostra como também está contribuindo com a preservação do meio ambiente: O trabalho que eu faço de paisagismo é dentro de pneus, que é um material que degrada o meio ambiente. Mas que eu reciclo ele e uso como obra prima”.