Dia de Lutas e de debates: em Congresso Nacional, população de rua reflete acesso à direitos

A diversidade de debates e a troca de experiências é marca do 3º Congresso Nacional do Movimento da População de Rua, que está sendo realizado entre os dias 16 e 19 de agosto, em Belo Horizonte

Movimento Nacional da População em Situação de Rua do Paraná participa de 3º Congresso Nacional do MNPR

Movimento Nacional da População em Situação de Rua do Paraná participa de 3º Congresso Nacional do MNPR

Por Franciele Petry, assessora de comunicação do Cefuria
Com a contribuição de Luis Pequeno, educador popular

Dezenove de agosto não é dia de comemoração – é Dia de Lutas. A data que relembra os doze anos do Massacre da Sé também marca o fortalecimento da construção do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR). O assassinato de sete pessoas em situação de rua, em São Paulo, foi um dos fatos que contribuíram para a organização coletiva de uma população que tem que batalhar muito para poder acessar seus direitos.

Desde que surgiu, em 2005, o MNPR tem alcançado importantes conquistas e visibilidade, como destaca a coordenadora nacional do movimento, Maria Lucia Pereira da Silva. Entre os avanços, está a criação do Decreto Nacional 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua. “As pessoas hoje têm medo do Movimento”, aponta Maria Lucia. “Mas é um medo gostoso, sinal que passamos a dizer ‘nós não nos calamos mais. Vocês não podem mais nos matar e ficar impunes'”.

A coordenadora também se orgulha em contar como a organização da população de rua contribuiu para que as pessoas assumissem a situação, e passassem a reivindicar seus direitos. “Essa é nossa maior conquista – o olhar deixar de ser olhar derrotado, pra ser um olhar de luta, de guerreiro, pronto pra briga”.

Debate e reflexão

3º Congresso MNPR (16 e 19_08_2016) foto Luis Pequeno (2)Em 2016 o Dia de Lutas também está sendo diferente para os militantes do MNPR. Neste ano, a data é marcada com o encerramento do 3º Congresso Nacional do Movimento da População de Rua, realizado entre os dias 16 a 19 de agosto, em Belo Horizonte.

Coordenador do movimento e um dos organizadores do evento, Samuel Rodrigues destaca que esse é um momento de muita importância na construção e fortalecimento do MNPR.  É um momento pensado e organizado pela população em situação de rua, junto de uma rede ampla e diversa de apoiadores.

O resultado é interessante: a atividade reúne um público alegre, cantarolante, que leva à sério as reflexões provocadas. Cerca de 300 pessoas estão participando do evento. “É uma turma bastante politizada pensando em assegurar e buscar os direitos, que vê a população de rua como parte da sociedade brasileira, que é a forma que ela tem que ser vista”, pontua.

A diversidade de debates e a troca de experiências é marca deste 3º Congresso. O acesso à Justiça, à moradia e ao trabalho são alguns dos temas debatidos. Os sete estados onde estão sendo desenvolvidos projetos de inserção da população em situação de rua na Economia Solidária, através do apoio da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) tiveram um momento para trocar ideias e reflexões. Três integrantes do projeto Coopera Rua, desenvolvido pelo Cefuria, estão participando da atividade.

Os participantes do Congresso também aprovaram a criação de um Núcleo de Mulheres e LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) dentro do Movimento Nacional da População em Situação Rua, para possibilitar um debate mais qualificado na luta pela criação de políticas públicas para essa parcela da população.

Minha Casa, Minha Luta

3º Congresso MNPR (16 e 19_08_2016) foto Luis Pequeno (1)Com a participação do MNPR garantida na 3ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Moradia (Habitat III), a necessidade de garantir a criação de uma política habitacional voltada à população de rua foi tema de uma das discussões do evento.

“Precisamos discutir uma lógica de saída das ruas e moradia é um caminho”, destaca Samuel. O coordenador explica que o Brasil ainda tem uma política de tratamento dessa população muito ligada à linha da assistência social e do acolhimento, que representam soluções temporárias.

Advogada popular da Terra de Direitos, Luana Xavier aponta que é possível algumas iniciativas pontuais que acabam por incorporar essas pessoas em programas habitacionais já existentes, mas que não dialogam com políticas estruturantes para a população em situação de rua. Segundo ela, essas experiências acabam por beneficiar poucas pessoas.

Coordenador do MNPR em Fortaleza, José Carlos Santos Silva viveu 15 anos das ruas e conta a experiência de ter acessado a moradia.

Coordenador do MNPR em Fortaleza, José Carlos Santos Silva viveu 15 anos das ruas e conta a experiência de ter acessado a moradia.

Além disso, a advogada destaca a necessidade de avaliar criticamente políticas habitacionais já existentes. Programas como Minha Casa, Minha Vida e a inscrição em Companhias de Habitação como a COHAB não aceitam comprovantes de receita vindas de trabalhos informais, algo bastante praticado pela população em situação de rua.

Mas aponta a necessidade de avaliar os modelos que estão aí, elaborar e apresentar ao poder público novas propostas. “Não há uma resposta pronta, mas é preciso visualizar algumas alternativas”, indica.

Coordenador do MNPR em Fortaleza, José Carlos Santos Silva viveu 15 anos em situação de rua. Ele conta que, sem moradia, tinha baixa auto-estima. “Eu não tinha vontade de levantar, trabalhar, porque levantava todo sujo”. Junto com outras famílias, ocupou uma praça no centro da capital cearense e pressionou o poder público da cidade. O grupo foi encaminhado para o programa de Aluguel Social e posteriormente para o Minha Casa, Minha Vida. “A partir do momento que eu tive minha moradia definitiva me encontrei: tive auto-estima para me levantar, tomar banho, sair limpo e ir atrás de um trabalho. Hoje tenho um trabalho, uma casa, e tô vivendo muito bem”, conta.

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