Educação: Dos descasos e autoritarismos institucionais para um cotidiano de aprendizado mútuo e transformação

Por André Fedel, educador do Cefuria

“Si no puedes tener la razón y la fuerza escoge siempre la razón y deja que el enemigo tenga la fuerza. En muchos combates puede la fuerza obtener la victoria, pero la lucha toda sólo la razón vence. El poderoso nunca podrá sacar razón de su fuerza, pero nosotros siempre podremos obtener fuerza de la razón”. 

charge vini

Charge Vini, 2016

A notícia sobre o afastamento da professora Gabriela Viola, após a publicação de um vídeo a respeito de conteúdo escolar produzido junto com alunos da escola onde ela leciona, na região sul de Curitiba, demonstra algumas incoerências políticas e pedagógicas atualmente tornadas públicas no estágio da nossa dita democracia.

A primeira dela se refere ao grau de autonomia que o profissional professor hoje possui no espaço escolar. Não é de hoje que diretorias de escolas e núcleos de educação (para focarmos somente no setor da educação, no entanto tais atitudes autoritárias como essa são registradas em outros campos do serviço público e privado) têm tomado posturas como essa, quando um caso ganha proporções diferentes do comum. Mas o que é a proporção diferente do comum? Quando o tema debatido em sala de aula vai para fora? Mas isso não é dever da escola? A escola não deveria ser, assim como outros círculos sociais, um espaço para aprender, formar, refletir, conhecer e discutir? Em tese, sim.

Talvez seja interessante compreender através da história, como a nossa sociedade em tempos de industrialização conservadora, da mudança de um país agrário para um país urbano e a constituição das cidades e metrópoles influenciou a organização das pessoas e, consequentemente, da educação que temos e dispomos. A professora Ana Fani Alessandri Carlos comenta que o progresso marcado nesses períodos passados e atuais é de profunda autoria da ideologia da classe dominante, impondo normas e regras para dentro e fora da “fábrica” (aqui podemos também entender a escola). O cotidiano, ou seja, as nossas ações do dia-a-dia criam uma impotência que é reflexo da repetição delas e da ausência da construção de uma visão do mundo urbano de hoje. Dito isso, voltamos.

Com a recente onda conservadora promovida pelo movimento “Escola Sem Partido”, que é composta por políticos profissionais e setores neopentecostais de organizações religiosas, cujo objetivo é “barrar a doutrinação ideológica”, pode-se perceber que esse objetivo é puramente vazio, pois, como dizia nosso grande mestre Paulo Freire, não há em nenhum momento a ausência de ideologia (ou de política, como queiram entender). Nossas ações e pensamentos cotidianos partem de um posicionamento e de uma realidade em que estamos inseridos, mesmo que nunca tenhamos parado para pensar sobre eles. Resta-nos entender se essas ações e pensamentos são inclusivos, ou seja, se compreendem a diversidade social, ou se não, são conservadores e marginalizam posições diferenciadas.

Quando ouvi amigos, amigas e colegas dizendo desta onda “escola sem partido”, imediatamente me questionei. Que noção de escola e de partido essas pessoas e organizações possuem?, Será que elas já pisaram em uma escola pública, já conversaram com alunos e alunas, professores e professoras sobre as condições atuais de ensino que dispomos?. Por algum momento fui ingênuo, e depois pensei: sim, eles sabem muito bem como está o estágio das escolas e sua organização, e este projeto é mais uma afronta a educação pública de nosso país.

Quando as pressões sociais e mobilizações populares conquistaram e afirmaram o direito à educação pública, gratuita e de qualidade, os lastros destes movimentos e da própria educação popular anunciada pelos grupos marginalizados e figurada em Paulo Freire parecem não ter constituído um porto seguro para contrapor a essa onda com a qual estamos agora nos deparando. Reflexos de um lastro de movimentos e pressões sociais que se segurou na política partidária e esqueceu de conversar com os pares no cotidiano? Os educadores, professoras e profissionais da educação podem dizer que não. Que sempre houve luta. Mas essa luta focou suas atenções onde? Nos gabinetes e escritórios dos prédios públicos, no centro da cidade, no bairro, na escola, na sala de aula, nas associações de moradores, nas organizações populares, nos movimentos sociais?

escuelita

Escuelita Zapatista (EZLN) Fonte: Outras Palavras (2013)

No México, os Zapatistas vem há algum tempo através de um movimento pelas “escuelitas” construindo transversalmente às suas outras lutas, a importância da educação e a noção de liberdade segundo sua realidade. Essa nítida opção dos povos de Chiapas em construir o presente a partir de quem está próximo e ao mesmo tempo fortalecendo uma visibilidade e uma solidariedade sem fronteiras é algo para se tomar como exemplo. Como eles dizem não há Estado. “Aqui o povo manda e o governo obedece”

 
Referênicas

– Apresentando a metrópole em sala de aula. Ana Fani Alessandri Carlos, Contexto. São Paulo. 2015

 – Comunicados e Declarações da Selva Lacandona,  EZLN, Chiapas-México. 2000

– Pedagogia da Autonomia. Paulo Freire, Paz e Terra. São Paulo. 2012

– Os Zapatistas criam sua Escuelita global. Marta Molina. Outras Palavras. 2013. http://outraspalavras.net/mundo/america-latina/os-zapatistas-abrem-sua-escuelita/

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