BRASIL DE FATO | Marcha em memória ao “Massacre do Centro Cívico” reúne 25 mil pessoas em Curitiba

Marcha

Pérez Esquivel, Nobel da Paz, fez uma saudação de solidariedade e de incentivo à resistência brasileira contra o golpe
Por Camilla Hoshino e Ednubia Ghisi, Brasil de Fato
Fotos: Ednubia Ghisi e Isabella Lanave

O aniversário de um ano do Massacre do Centro Cívico levou 25 mil pessoas às ruas de Curitiba nesta sexta-feira (29), de acordo com estimativas do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), um dos organizadores do ato. A manifestação teve início pela manhã, com concentrações nas praças Santos Andrade, Rui Barbosa e Tiradentes, no Centro, e confluiu perto das 12h para uma grande marcha até a Praça Nossa Senhora de Salete, no Centro Cívico.

Dez estados brasileiros estavam representados na manifestação, por meio de integrantes de sindicatos estaduais da educação ligados à Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE. Professores das 29 regionais da APP-Sindicato espalhadas pelo estado participaram no ato. As delegações do interior vieram em pelo menos 70 ônibus, e boa parte enfrentaram o frio de 4 graus que atingiu o estado nesta manhã. O Fórum de Lutas 29 de Abril, composto por movimentos populares e entidades sindicais e criado logo após do Massacre, também participou da organização do ato. A palavra de ordem “fora Beto Richa” se intercalava aos pronunciamentos e às músicas dos carros de som.

“Para nós, a palavra luto é verbo, é resistência, e por isso estamos fazendo a denúncia do que aconteceu, mas também seguimos lutando por nossos direitos”, garante Walkiria Olegário Mazeto, integrante da diretoria da APP-Sindicato. Ela explica que a manifestação foi organizada em dois momentos. A parte da manhã teve como foco a memória e a denúncia da violência ocorrida há um ano por parte do governo estadual. À tarde, ganhou espaço o posicionamento contra o golpe institucional em curso no Brasil, via tentativa de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT).

Golpe

O Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel participou do ato e fez uma saudação de solidariedade e de incentivo à resistência brasileira contra o golpe. O argentino afirmou haver uma tentativa de setores da sociedade de negar a existência de um processo golpista, e garante que a única possibilidade de enfrentar os retrocesso é a união do povo. “Temos que lutar por nossa liberdade, sem dominação de nenhum tipo. As lutas não terminaram no continente. […] A democracia para nós é a igualdade entre todos”, afirmou Pérez Esquivel.

O músico mineiro Pereira da Viola apresentou-se ao longo na manifestação. O show da banda Detonautas encerrou a atividade com cancões críticas e posicionamentos também contrários ao movimento golpista protagonizado pelo Poder Legislativo. O público ergueu rosas vermelhas durante a apresentação, como símbolo da continuidade da luta por direitos no estado.

Memórias do massacre

“Hoje nós estamos aqui para relembrar esta data, para que ela não caia no esquecimento. […] Para que a gente se mantenha unido contra todo e qualquer tipo de governo truculento”, garante Gizele Cristiana, professora da Rede Estadual de Educação, que viveu na pele a violência do dia 29 de abril de 2015. Mais de 230 pessoas, em sua maioria professores e servidores, ficaram feridos naquele dia pela chuva de bala de borracha, spray de pimenta e bombas de lacrimogêneo promovida pela Polícia Militar, com a conivência do governo Beto Richa (PSDB).

Para Pedro Eloi Rech, professor aposentado da Rede Estadual, com histórico de militância na APP-Sindicato, o Massacre do Centro Cívico é o ato de “maior violência, em tempos de absoluta paz, democracia e plenas negociações abertas”. Ele estava entre os atingidos pela truculência policiais: “Não tinha como fugir. Eles literalmente cercaram e fizeram um ato de violência proposital. Atiraram inclusive dentro dos tubos de ônibus”.

Para além da violência física, Rech vê como marca principal do Massacre o simbólico ferimento da autoridade dos professores. “Se o estado tem o direito de agredir o professor, como é que o aluno vai ter respeito por aquele que é agredido, que foi chamado de black bloc”, questiona. Ainda classifica a ação como a desconstrução total da imagem do professor, o que certamente repercute no cotidiano da sala de aula.

Orue Brasileiro, representante do movimento estudantil do Colégio Estadual do Paraná, fala sobre a participação de estudantes no ato: “Foi um massacre deplorável, não tem como a gente esquecer e não vir para a rua. A gente reuniu os estudantes e veio aqui lutar também pela educação como um todo”, afirma o estudante.

Projetos em disputa

Bia Cerqueira, presidenta da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais presente na manifestação, avalia que o ato em memória ao massacre no Paraná é fundamental para que seja feita a disputa da narrativa do fato, como forma de apresentar a versão daqueles que sofreram a violência. “Governadores que fazem o que Beto Richa fez deveriam estar na cadeia, e não ainda como governadores do estado”.

Durante os governos do PSDB em Minas Gerais, de 2003 a 2014, com Aécio Neves e Antônio Anastasia, as entidades sindicais sofreram um processo de criminalização das lutas, judicialização das pautas de reivindicação e enfrentamento com as forças repressivas do estado. Na avaliação da dirigente da CUT, o fundamental para os trabalhadores organizados em Minas e no Paraná é o enfrentamento do projeto político do PSDB. “Sem fazer isso, nós continuaremos perdendo e reféns de uma política que não tem a educação pública como prioridade e que vai continuar retirando direitos dos seus servidores”, garante.

Teatro na Praça

Em meio à manifestação na Praça Nossa Senhora de Salete, um grande círculo se formou. No centro da roda, cerca de 40 estudantes secundaristas do Colégio Estadual Deputado Arnaldo Faivro Busati, de Pinhais, davam vida ao momento do massacre, por meio de uma apresentação teatral. Maquiagem de ferimentos do rosto e palavras de ordem caracterizavam os professores. Logo atrás, escudos e cassetetes formavam a fileira de policiais. Ao lado, a fanfarra do Colégio garantia a sonoplastia ao vivo.

teatro

“É algo meio assustador, porque o que a gente encenou aconteceu de verdade, e toca muito a gente”, relata a estudante do 2º ano do ensino médio, Júlia Colheri Sales, que interpretou uma das professoras. Aos 15 anos e pela primeira vez em uma manifestação, Júlia entende a intervenção como uma homenagem: “É uma forma de parabenizar eles, pelo que eles viveram pelo direito da gente, pelo nosso futuro”.

Vanessa Cristina Collere estava na Praça Nossa Senhora de Salete há um ano. “Fui bombardeada durante três horas”. Para além das aulas de artes no Colégio Estadual, a professora se junta a outros colegas para contribuir com o grupo de teatro dos estudantes. “Esta intervenção é para dizer para o governador que nós não esquecemos o que ele fez”, garante.

É um trabalho voluntário, desenvolvido fora do horário de trabalho, relata mais um integrante da equipe de professores, o sociólogo Marcelo Francisco. Para o professor, trabalhar este episódio com os estudantes, por meio do teatro, contribui para o entendimento de que “manifestação é algo legítimo, democrático, e que está dentro na nossa Constituição o direito de protestar, de ter greve, e de manifestar as posições políticas”.

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