Raça e Gênero: o preconceito enquanto construção social

Relato de educação popular da oitava etapa do Curso de Formação de Agentes de Desenvolvimento Local e Economia Solidária. Essa atividade buscou elucidar e debater sobre a representatividade da mulher na sociedade e o preconceito.

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“É tua cabeça que suporta tanta dor,
E agora tua boca pede clamor.
Mulher, vamos organizar nossa classe.
E do teu ser que a vida nasce.”
(Mulher Latino-Americana. Poesia para o Dia Interncional da Mulher – 1989, de Stela Dalva Santini – Medianeira)

Por Ana Luiza Cordeiro
Supervisão Franciele Petry Schramm

Ela, segundo a gramática, pronome substantivo pessoal. Ela, segundo a construção histórico-social, alusão de quem sofre opressões.

Precisamos falar sobre violência física, emocional e psicológica da mulher. Mas não apenas. Precisamos falar sobre opressão, omissão e silenciamento. Precisamos falar sobre machismo encoberto por humor, naturalização de relações abusivas, sobre o papel social da mulher. Sobre reconhecimento, mercado de trabalho e culpabilização da vítima. Precisamos falar sobre ser mulher.

dddddOs cartazes e bandeiras traduzem uma realidade de lutas árduas, e adentram a sala conduzidos por Elas, mulheres que carregam um sem fim de histórias e experiências que, ainda que pessoais, são conhecidas e experienciadas por tantas outras. A letra poética de Dandara dos Palmares embala o ritmo da abertura da oitava etapa do Curso de Formação de Agentes de Desenvolvimento Local e traz passagens da luta e da vida de uma mulher. De todas as mulheres.

Dia 25 de novembro foi instituído, em 1999, como o Dia Internacional de Eliminação da Violência contra as Mulheres, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em memória à 1960, quando as três irmãs Mirabal, ativistas políticas na República Dominicana, foram assassinadas a mando do ditador Rafael Trujillo. Somam-se 16 anos de reconhecimento da luta, e nessa etapa do projeto, os participantes ajudaram a traçar um debate mais plural e agregador, dando continuidade a olhares mais democráticos para a sociedade.

A data é conhecida e reconhecida social e midiaticamente, mas entre o primeiro cartaz, que trazia um apelo contra a violência, e o fim da música, uma mulher foi agredida no Brasil. Em 2015, dados apontam que a cada 5 minutos uma mulher é vitima de violência física, segundo o mapa da Violência de 2015.

IMG_0399Por vezes, as várias formas de violência e opressão são tão naturalizadas que cotidianamente são reproduzidas sem serem compreendidas como violência. “Fomos educados a sermos machistas. Como quebrar isso? A quebra do ego, mas como fazer isso?”, apontou um dos participantes. Para que essa relação de manutenção de sistemas machistas e patriarcais fossem melhor explicitados, iniciou-se um debate a partir do vídeo “Gênero, Mentiras e Videotape”, que aborda questões de violência de gênero em diversas esferas, desde a relação familiar e atuação no lar, até o retrato social da mulher.

Os debates, inicialmente em duplas, aprofundaram, expuseram estigmas, fizeram soar as gggggvivências de quem viu ou protagonizou tantas daquelas situações. Em meio às falas e memórias, mulheres e homens compartilharam e pontuaram suas percepções sobre o os estereótipos de funções de gêneros na sociedade. Partindo de uma dinâmica que visou três questionamentos perante o vídeo, ainda que em duplas, cada participante foi direcionado a rever e repensar a atuação de gêneros e a participação de cada um, como indivíduo, nesse sistema. A partir das questões orientadoras (“O que te chamou a atenção?”, “Qual dessas situações você já vivenciou?” e “Como é possível superar isso?”), diversas respostas e um rico debate.

Entre as necessidades de se construir outro reconhecimento da atuação da mulher, pontos importantes foram apresentados.“Precisamos trazer essas reflexões para espaços públicos, para que os homens se deem conta de que estão sendo machistas”, pontua uma das participantes. Outra dupla de rapazes considerou essencial desconstruir as diferenças que separam socialmente homem e mulheres, “sem machismo e sem feminismo”. Após as discussões, um integrante da dupla confessa. “Não sabia que feminismo era isso. Achei que o machismo ao contrário”. As participantes da atividade revelam que não: “feminismo é a ideia radical de que mulheres são gente”, já dizia Marie Shear, em 1986. Ou seja: direitos iguais, não dominação.

ssssssssO debate da etapa se constrói e entre depoimentos e falas, a voz feminina se elucida. Aqui tem espaço, tem mulher e tem voz. Reflexões se moldaram e, aos poucos, tomaram dimensão. E levados a refletir sobre como mudar essa cadeia de violência, espaços femininos, educação e desconstrução, e a necessidade de se falar publicamente foram alternativas ressaltadas.

Entre cada relato emocionado das mulheres, a força de um discurso, a força do sentimento que se reconhece. Entre as falas dos homens se apresenta também o reconhecimento da realidade.

Mas não somente. Compreender a mulher como trabalhadora, mãe, companheira, militante. Como parte de um sistema social que ela ajuda a compor, e não como sustento de manutenção de estruturas de poder do homem.

Ajoelhado, um dos participantes pede perdão. “Sou machista”, confessa. A percepção chega após a reflexão daquilo que já é naturalizado na sociedade. Já disse Simone Beauvoir: “o maior dos escândalos é quando nos acostumamos a ele”. Mulheres que fizeram história relataram, há anos, o que ainda é presente e evidente na sociedade. Mulheres e homens se acostumam, aceitam e são muitas vezes coniventes com construções sociais que cerceiam e delimitam a atuação social ao manter organizações fechadas e patriarcais.

A luta de gênero é racial também

Mas, ainda que a luta seja por todas, entre apontamentos e relatos, se evidencia a individualidade da opressão. O gênero, a classe social, a etnia, o corpo. As diversas classificações para estruturar sistemas hegemônicos que segregam e excluem.

Dandara do Palmares, que fez-se presente no início do curso, foi mulher, negra. Foi mulher negra. Não como duas lutas, mas como uma luta ainda mais densa, maior.

“Que as pedras caiam
em meu corpo
atiradas pela distância
haverá dentro de mim
uma força
como há em mim
o coração em sangue
e neurônios cansados”
(Poema Movimento, de Alzira Rufino)

É nos detalhes naturalizados que percebe-se a necessidade de se constituir a luta. É, por vezes, num comentário, num vídeo, na fala de uma criança. E na sala que enlaça culturas diversas, é a partir da exibição do vídeo “Experimento sobre o racismo”, que se lança a hhhhreflexão sobre o preconceito. Em frente a uma boneca de cor negra e outra branca, crianças foram convidadas a identificarem qual seria a boa e qual a má. Quase todas atribuíram essa característica à boneca negra. Isso é resultado de um fato real? “Não”, apontaram os participantes. Estavam certos. A percepção dessas crianças é resultado de uma construção social – assim como o preconceito de gênero, de raças, etnias, e com a população em situação de rua –, reforçado durante nossas ações cotidianas e através da cobertura da mídia hegemônica.

Luis Pequeno, um dos educadores populares do Cefuria, aponta “Precisamos sempre resgatar elementos da nossa identidade racial e cultural. Somos frutos dessa sociedade que exclui”.

aaaaaaaaaaaOs participantes concordaram que é preciso romper essa construção social: o preconceito mata. Nos últimos 10 anos, a taxa de homicídios de mulheres negras aumentou 54%, de acordo com o mapa da violência. Números que representam a necessidade de fazer um recorte racial, de se estruturar e fortalecer o feminismo negro.

Os olhos da violência não se fecham para quem as sofre, mas são constantemente tampados para quem não é protagonista.

Durante o tempo de discussão dessa etapa, cerca de 50 mulheres sofreram agressão física e duas foram assassinadas no Brasil.

Materiais utilizados durante a oitava etapa:

Vídeo | Gênero, mentira e videotape
Vídeo | Experimento sobre racismo

Sugestão de materiais

Cartilha | Mulher, quem és tu?
Mapa da violência 2015 | Homicídio de mulheres no Brasil

Veja o relato de etapas anteriores do Curso de Formação de Agentes de Desenvolvimento Local e Economia Solidária:

>> 1ª Etapa: Trajetórias de Vida: reconhecendo diferenças e entrelaçando semelhanças
>> 2ª Etapa: Educação popular: trocando saberes, construindo sabedoria
>> 3ª Etapa: Modos de produção e trabalho: o ser humano enquanto sujeito
>> 4ª Etapa: O trabalhador no capitalismo: entre circuitos de exploração e subordinação
>> 5ª e 6ª Etapa: Economia Popular Solidária e a construção de um mundo novo
>> 7ª Etapa: Organização popular: conquista e luta por direitos 

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