Relato de educação popular da 7ª etapa do Curso de Formação de Agentes de Desenvolvimento Local. Nesse encontro, os participantes discutiram as principais características dos movimentos sociais, e puderam conhecer um pouco mais do Movimento Nacional da População em Situação de Rua.
Nossa luta começou e para parar não tem mais jeito
(Trecho do Hino do MNPR)
Cores, formas e símbolos diferenciam as bandeiras do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, da Marcha de Mulheres, do Movimento dos Atingidos por Barragens, e do Movimento Nacional dos Catadores. Apesar das diferentes defesas, em comum está a luta contra um modelo opressor e excludente.
A partir da entrada de diferentes bandeiras, os participantes da sétima etapa do Curso de Formação de Agentes de Desenvolvimento Local foram convidados e convidadas a pensar os princípios de organização de movimentos sociais e populares.
A atividade, desenvolvida dentro do projeto Coopera Rua, reuniu pessoas em situação de rua e outras que apoiam – ou venham a apoiar – essa população. Para fomentar o debate, foram trazidas dez frases relativas a movimentos sociais. As pessoas presentes foram convidadas a avaliarem se as características apontadas nas afirmações corresponderiam aos propósitos da organização popular. Para isso, após as frases, cada um deveria levantar e mostrar um dos lados de uma placa com as palavras ‘Verdadeiro’ ou ‘Falso’.
>> Confira aqui as questões apresentadas
A partir do debate das frases, os participantes apontaram algumas características dos movimentos sociais e populares. Esse espaço de organização popular se fundamenta na luta por um projeto de vida e sociedade – em geral, surgem como resistência a alguma forma de opressão. “Os movimentos sociais só nascem porque tem uma necessidade concreta por traz. Não nasce da cabeça de ninguém”, indicou um dos participantes, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A paixão e a identificação com a causa são outros fatores que contribuem na organização e no fortalecimento desses grupos.
Apesar de se organizarem a partir de bandeiras específicas, os movimentos apóiam outras frentes de luta. O enfrentamento à proposta de redução da maioridade penal, por exemplo, reuniu diversos movimentos sociais diferentes, como Movimento Negro, Feminista, Marcha da Maconha, entre outros. “Quando a gente tem o sentimento de caminhar e mudar o curso dessa cultura opressora, a gente caminha junto”, lembrou o educador popular do Cefuria, Charles Martins.
Por isso, pode-se afirmar que os movimentos sociais são, sim, fundamentados em concepções políticas e projetos pedagógicos – ainda que diversos movimentos possuam visões diferentes. “Nossas ações estão dentro de concepções políticas”, lembrou uma das participantes. “O que a gente faz é ligado a um jeito político e ideológico de pensar”.
Com isso, rompe-se a ideia de isenção ideológica em espaços de discussão, como nas próprias escolas. “Pedagogia e concepção política tem a ver com atitude”, lembrou Luis Pequeno, educador popular do Cefuria.
Apesar de terem concepções políticas, os movimentos não necessariamente têm ligação partidária – uma coisa não significa a outra.
A construção e a luta dos movimentos sociais são coletivas, sem relações hierárquicas verticais. “Tem líder, não chefe. É quem encaminha o que o grupo acordou. Isso não dá a pessoa o poder de decidir coisas pelo movimento – uma pessoa não pode decidir por muitas pessoas”, avaliou uma das participante, assistente social.
Os participantes também apontaram que, não necessariamente, os movimentos sociais são institucionalizados através de existência jurídica. “Para ter uma bandeira de luta, não ser precisa ter CNPJ”, apontou o integrante do MST.
O MNPR
Um dos movimentos sociais que é parceiro na realização do Curso de Formação de Agentes de Desenvolvimento Social é o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR).
Criado em 2005, o MNPR tem atuação nacional, como núcleos estaduais e municipais. A organização das pessoas em situação de rua teve como motim o chamado Massacre da Sé, quando, em 2004, ao menos sete pessoas foram mortas na Praça da Sé, em São Paulo. Investigações apontam que as mortes tenham sido provocadas por extermínio de ação policial, mas até hoje os crimes não foram solucionados.
Coordenador municipal do MNPR, Maurício Pereira, explica as principais bandeiras de luta do grupo. “O movimento existe para tencionar o controle social e a garantia da efetivação das políticas públicas para a população em situação de rua”, aponta. Moradia, saúde, educação, esporte, lazer e assistência social para essas pessoas são algumas das demandas trazidas pelo MNPR.
O Movimento é um parceiro do Coopera Rua. Integrantes do coletivo contribuem no desenvolvimento e na participação das atividades desenvolvidas no projeto.
Quem é a população em situação de rua?
O movimento reconhece o processo de acúmulo do capital e desigualdade social como um dos fatores que ocasiona o processo de situação de rua. Alguns processos e fatos históricos contribuíram para o aumento de pessoas nessa situação, como a Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX, a crise econômica dos Estados nas décadas de 1920 e 1930, e outros fatores naturais, como em grandes desastres (enchentes, deslizamentos de terra).
Apesar de não ser contabilizada nos Censos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) desenvolveu uma pesquisa com a população em situação de rua em 71 cidades brasileiras, em 2008. O estudo aponta que essa população é majoritariamente masculina (82%) e que pouco mais da metade dela (53%) possui entre 25 e 44 anos. A grande maioria (70,9%) exerce alguma atividade remunerada, e apenas 15,7% pede dinheiro para sobreviver.
A pesquisa também indica que, entre os principais fatores que levaram as pessoas à situação de rua estão a dependência química (35,5%), desemprego (29,8%) e desavenças familiares (29,1%).
“Todo mundo que está na sala é um candidato a estar na rua. Pode ter um problema econômico, um problema familiar. Ver as pessoas na calçada são a prova de que cada vez mais as pessoas estão indo para as ruas, mesmo tendo estudo”, avaliou um dos participantes, que está nessa situação.
As violações de direitos dessa população também foram trazidas pelas pessoas presentes. Entre elas, a violência física, sexual, a exploração do trabalho (análogo ao escravo), e o preconceito, reforçado através dos termos e estereótipos como “morador de rua” e “mendigo”.
Entre os principais violadores, estão funcionários da segurança pública (como Guarda Municipal), o Estado, através da falta de políticas públicas para superação dessa situação, agentes de instituições, e a própria sociedade. Em muitos casos, o medo é um dos motivos que fazem com que pessoas não procurem ajuda.
“Conheço caso de gestantes na rua, que não procuram ajuda com medo de que criança seja tirada da mãe”, contou um dos rapazes que está em situação de rua.
O preconceito em relação a pessoas negras que estão em situação de rua também foram apontados.
“É diário. Você está andando numa rua, e a pessoa que está andando a 20 metros sai para o outro”, contou um dos rapazes. Outra jovem também revela a discriminação que sofre. “ Quando eu vou na loja e no mercado, vou com o dinheiro na mão para mostrar que eu vou comprar. Senão, os seguranças vão atrás de mim”.
Confira os materiais utilizados nessa etapa:
Apresentação | Quem é a população em situação de rua?
Apresentação | 10 anos do MNPR
Vídeo | Nós na rua
Veja o relato de etapas anteriores do Curso de Formação de Agentes de Desenvolvimento Local e Economia Solidária:
>> 1ª Etapa: Trajetórias de Vida: reconhecendo diferenças e entrelaçando semelhanças
>> 2ª Etapa: Educação popular: trocando saberes, construindo sabedoria
>> 3ª Etapa: Modos de produção e trabalho: o ser humano enquanto sujeito
>> 4ª Etapa: O trabalhador no capitalismo: entre circuitos de exploração e subordinação
>> 5ª e 6ª Etapa: Economia Popular Solidária e a construção de um mundo novo