Economia Popular Solidária e a construção de um mundo novo

Relato de Educação Popular da quinta e da sexta etapa do Curso de Formação de Agentes de Desenvolvimento Local e Economia Solidária, do projeto Coopera Rua. As duas etapas trouxeram para a discussão os princípios da Economia Popular Solidária.

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“Esse mundo em que os poderosos pisam os trabalhadores e nos dizem ‘Esta é ordem correta das coisas’ vai desabar. E nascerá uma sociedade de liberdade, em que cada um cooperará voluntariamente por uma vida melhor”.

August Spies

Por Franciele Petry Schramm e Luis Pequeno

Direitos sociais e trabalhistas como férias remuneradas, licença-maternidade, 13º salário e diminuição da jornada de trabalho foram conquistas a base de muita luta e sofrimento. A história de exploração e repressão de trabalhadoras e trabalhadores foi trazida e contada no vídeo ‘Maio, nosso maio’, usado para abrir os debates da quinta etapa do Curso de Formação de Agentes de Desenvolvimento Local e Economia Solidária, desenvolvida dentro do Projeto Coopera Rua.

A atividade, que conta com a participação de pessoas em situação de rua ou pessoas que apóiem ou venham a apoiar essa população, trouxe a discussão da Economia Popular Solidária como ferramenta de luta para construção de outro mundo.

ADL 5 etapa (32)Lutar pela valorização de trabalhadores e trabalhadoras – mais que do que pelo lucro – é lutar por outro modelo econômico. Praticar economia solidária é uma forma de que valorizem a vida do outro, o ambiente que os cerca. O bem-estar do próximo acima do capital. O consumo do necessário, ao invés da destruição do meio ambiente, que inclui nele as pessoas. E a luta pela valorização do ser humano não é recente. Ao contrário: é bem antiga!

Convidadas a participarem da dinâmica, algumas pessoas presentes ajudaram a apresentar algumas das principais lutas e revoltas de homens e mulheres da sociedade. Revolução russa, movimento anarquista, cabanagem, revolta de canudos, quilombo dos palmares foram algumas das mobilizações sociais trazidas para a reflexão dos participantes. Do século XVI, a 2015, tantas lutas, tantas causas.

Em comum, os problemas sociais e a insatisfação da população ou dos atingidos pela estrutura imposta na sociedade. Trabalhadores e trabalhadoras, negros e negras, camponeses e mulheres se uniram para reivindicar a igualdade, a liberdade e o respeito por seus direitos como cidadãs e cidadãos.

ADL 5 etapa (13)“Esses séculos de resistência não são para criar modelos de mundo impossíveis, fantasiosos”, explicou a facilitadora da atividade, Tatiane Dedini. “De agora para frente, seremos nós os transformadores”. E a transformação é coletiva e popular.

Uma das participantes, funcionária pública do município de Curitiba, analisou a necessidade de cada um abraçar a luta e a causa em que acredita. “Nosso trabalho é que nem de um beija-flor, levando água para apagar incêndio na floresta. Pode ser que não resolva, mas estamos fazendo a nossa parte”. Educadora popular do Cefuria, Andréa Barros, discordou da observação. “Na verdade a gente quer construir coletivos de beija-flores – juntos a luta é mais forte. A gente apaga fogo quando quer, e quando for preciso a gente incendeia”.

“Você está em um modelo que apanhar é a regra”, avaliou a facilitadora. “Mas apanhar calado ou em silêncio é opção sua. Se é para apanhar, que apanhe gritando, denunciando. A gente só tem benefícios hoje, porque muita gente lutou, se organizou e morreu para isso”.

Egoísmo x solidariedade

ADL_Coopera RuaOs participantes da etapa foram provocados a pensar relações que se desenvolvem sem que haja o envolvimento de dinheiro, e os valores que as cercam.

Solidariedade, cooperação, e a luta por um mundo justo e igualitário foram alguns dos valores identificados. Esses mesmos valores são encontrados nas lutas sociais apresentadas. A busca por uma sociedade justa e igualitária, com a garantia de direitos para todos e todas, são o fermento da massa da luta da transformação social desses grupos.

Os grupos identificaram que algumas relações que se desenvolvem e que não envolvem dinheiro são as relações de afeto. A cooperação entre família, amigos, vizinhos, e até mesmo conhecidos, pode ser dar pelo princípio da solidariedade, sem que haja motivos financeiros entre essas relações.

Pessoas que ajudam a cuidar da casa e dos animais do vizinho quando o mesmo viaja, a troca de dias de trabalho (quando um pode, vai trabalhar na casa do outro, e vice-versa), a troca de sementes entre agricultores para preservar a biodiversidade são alguns exemplos de relações onde predomina o princípio da solidariedade.

“Esses laços que se formam em relações de afeto são muito mais forte que os laços familiares. A família é por obrigação. O ser humano é egoísta. É natural do ser humano se preocupar mais com si do que com o outro”. Outra participante desmistificou essa afirmação. “Não é bem assim. O egoísmo não nasce com o ser humano. A gente pode questionar isso”.

As experiências identificadas nas comunidades primitivas ajudam a problematizar essa questão e revelam que o egoísmo é uma construção social. A cartilha Das sociedades comunais ao modo de produção feudal indica que “podia-se perceber, nessa época, a prática dos princípios da solidariedade, pois eles lutavam solidariamente pela sobrevivência do grupo. […] A cooperação entre todos era essencial para garantir as condições necessárias à vida em comunidade”.

O integrante do MST lembrou que essa concepção muda também com o Estado de Direito, que surge de forma a garantir a individualidade – e não a coletividade – de cada um. “Todo mundo tem direito à propriedade, que no sistema capitalista passa a ser algo individual. A sociedade que a gente vive é individualista. A economia solidária, nesse sentido, é contra hegemônica”, aponta.

Outro mundo é possível

ADL_Coopera RuaSolidariedade, cooperação, e a luta por um mundo justo e igualitário são valores encontrados também na Economia Solidária. Esse modo de produzir e consumir, que se opõe ao capitalismo, leva em consideração acima de tudo o bem-estar do próximo. Ao invés do lucro, considera a vida dos trabalhadores e trabalhadoras e a conservação do ambiente que os cerca. Ao invés do patrão, traz a quebra da hierarquia com a valorização da coletividade – a autogestão é a marca desse modelo. O grupo contribui na tomada de decisões e solução dos problemas.

Clubes de Trocas, cooperativas, associações de moradores e empreendimentos como padarias comunitárias são exemplos de iniciativas de economia solidária. Com esse modelo, quebra-se a ideia de pirâmide econômica – onde trabalhadores e trabalhadoras produzem riquezas para quem está no topo: a pessoa que detém os meios de produção; onde o interesse de um – o lucro – prevalece sobre a vontade e a necessidade de muitos.

“Para cada valor que o capitalismo traz, a gente tem alternativa: pra competitividade a gente tem a coletividade”, apontou a facilitadora da atividade. E provocou “Vamos parar de construir a base da pirâmide e destruir esse modelo?”

Tabela

Fonte: Cartilha ‘Outro consumo é possível’

Alternativas para a população em situação de rua

Tendo em mente as diferenças do modo de produção capitalista e da Economia Popular Solidária, na 6ª do curso os participantes foram provocados e provocadas a pensar na possibilidade de desenvolverem empreendimentos de economia solidária, com o protagonismo da população em situação de rua.

ADL_Coopera RuaA partir da formação de três grupos, as pessoas presentes desafiaram-se a propor a criação de possíveis empreendimentos, em espaços já existentes de atendimento e trabalho com essa população. Os participantes ajudaram a identificar alguns desses espaços: instituições municipais como, por exemplo, os Centros de Referência Especializados de Atendimento para a População em Situação de Rua (Centro POP), Unidades de Acolhimento Institucionais (UAI), Casa das Mulheres e LBT e o Consultório na Rua, oferecem serviços de assistência social, acolhimento, alimentação e tratamento médico, conforme a proposta de cada equipamento.

Mas é possível encontrar a prestação desses mesmos serviços em instituições parceiras ou de apoio, conveniadas ou não ao município, como a Fraternidade Toca de Assis, Casa de Acolhida São José, Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), e Igreja Anglicana.

As pessoas em situação de rua identificaram a necessidade de ampliar a oferta de serviço de alguns desses espaços, de forma que passem a oferecer atividades para além daquelas que suprem as necessidades básicas (como alimentação e acolhimento). “Não dá para se acomodar, achando que só comer e dormir tá bom. Temos que procurar e lutar para ampliarmos os serviços. Eles [o poder público] não vêm oferecer nada se não tem ninguém brigando”, apontou um rapaz, integrante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua.

ADL 5 etapa (45)Entre as reivindicações dessa população estão cursos profissionalizantes, oficinas, e encaminhamento para o trabalho e/ou emprego. A partir dessa demanda, e tendo conhecimento dos espaços já existentes, os participantes foram provocados a pensar em alternativas que possibilitassem a organização das pessoas que estão em situação de rua para a criação de coletivos de Economia Solidária. Com isso, essas pessoas teriam a oportunidade de trocar saberes, produzir bens e serviços que possibilitassem a geração de renda, a partir de uma perspectiva de cooperação entre aqueles que integram o coletivo, diferente das relações de exploração entre empregador e empregado.

“Pensar entidades de apoio é muito importante nesse início. Se não tiver muita organização coletiva e uma rede fortalecida de apoiadores, ficaremos mais vulneráveis às violências e às dificuldades”, lembrou o educador popular do Cefuria, André Fedel.

Os três grupos tiveram pouco mais de 1h30 de tempo para as discussões. As equipes trouxeram diferentes propostas discutidas entre pessoas em situação de rua; servidores e servidoras municipais de Curitiba, Campo Largo e Pinhais, prestadores de serviços com a população de rua, e de integrantes de iniciativas de Economia Solidária.

Coletivos para a prestação de serviços de jardinagem, para a produção e vendas de sucos e para criação de artesanatos foram sugeridos pelos participantes. “É importante ter a troca dentro”, avaliou um rapaz em situação de rua. “Eu sei montar artesanato com palitos; ele [aponta para o colega] sabe desenhar. A gente vai trocando. Ele aprende comigo, e eu aprendo com ele”.

ADL_Coopera RuaEnquanto um grupo discutia o preço que atribuiria ao seu produto, o educador popular do Cefuria, Luis Pequeno, lembrou que é preciso diferenciar valor, de preço. “O valor não é só o custo. Às vezes, ele é imensurável. Se não há agressão ao meio ambiente, se há valorização do trabalho do homem e da mulher – como acontece na Economia Solidária – o preço é pouco. Se fosse produzido, esse suco teria muito mais valor que a Coca-Cola”, avaliou.

A Cooperativa Vitória (Copavi), em Paranacity, Noroeste do Paraná é um exemplo de empreendimento de Economia Solidária onde predomina a cooperação mútua. A história da Copavi é trazida em reportagem da TV Tibagi, e pode ser conferida aqui.

Materiais utilizados na 5ª etapa:

Vídeo | Maio, nosso maio
Cartilha | Que mundo estamos construindo? Economia popular solidária

Materiais utilizados na 6ª etapa:

Cartilha | Outro consumo é possível
Vídeo | Reportagem Copavi Agroecologia

Sugestões de materiais:

Relato de Educação Popular | Economia Popular Solidária: um outro mundo é possível

Veja o relato de etapas anteriores do Curso de Formação de Agentes de Desenvolvimento Local e Economia Solidária:

>> 1ª Etapa: Trajetórias de Vida: reconhecendo diferenças e entrelaçando semelhanças
>> 2ª Etapa: Educação popular: trocando saberes, construindo sabedoria
>> 3ª Etapa: Modos de produção e trabalho: o ser humano enquanto sujeito
>> 4ª Etapa: O trabalhador no capitalismo: entre circuitos de exploração e subordinação

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