Economia Popular Solidária: um outro mundo é possível

Relato da 6ª etapa da Escola de Formação Básica Multiplicadora da Economia Popular Solidária, realizada nos dias 12 e 15 de setembro, com assessoria do educador popular Antonio Bez.

Por: Franciele Petry Schramm

IMG_9174Imagine uma sala com 100 pessoas e com 100 pedaços de pão, divididos em quatro pratos. Para que todos comessem igualmente, seriam 25 pedaços por prato. Mas, nesse caso, a divisão não é igualitária: um prato com 45 pedaços e alimenta uma pessoa, e outro, com três partes, alimenta 71 – que ficam com migalhas. O restante está dividido entre as demais pessoas presentes na sala. Essa má distribuição de renda é a realidade mundial (veja gráfico abaixo), como chamou a atenção a 6ª etapa da Escola de Formação Básica Multiplicadora da Economia Popular Solidária.

>> Leia: 1% da população mundial concentra metade de toda riqueza do planeta.

“Que mundo estamos construindo? Economia Popular Solidária” foi tema dessa etapa, que trouxe questionamentos relacionados ao modelo econômico que supervaloriza o lucro acima da necessidade humana. Integrantes de coletivos de empreendimentos solidários, de comunidades religiosas, estudantes e profissionais de diversas áreas estiveram presentes nos encontros realizados nos dias 12 e 15 de setembro. Essa etapa teve assessoria de Antonio Bez, educador popular do Centro de Formação Urbana Rural Irmã Araújo.

Para dar início às discussões, os participantes foram provocados a refletirem o significado da palavra Economia. As respostas foram diversas: dinheiro, sistema financeiro, poupança, investimentos, saber utilizar o que se tem, foram alguns dos significados trazidos.

Mas os participantes confessam: não foi fácil encontrar uma definição para uma palavra tão complexa. O assessor ajuda a explicar uma das razões para isso. “Se formos analisar, vamos perceber que sempre há quem entende de Economia pela gente”, aponta. “É como se esse debate fosse exclusivo da Mirian Leitão [comentarista da Rede Globo] e dos técnicos do Banco Central”.

Dicionários online definem Economia como a ciência que estuda os processos de produção, distribuição e o consumo de bens e serviços. Para entender melhor a complexidade dessa ciência, é preciso analisarmos cada um desses itens por si só, orientados pelas perguntas “o que?”, “onde?”, “como?”,“por quê?” e “para quem?”.

A partir da reposta dessas questões, podemos perceber que a relação entre um item e outro é desigual. Exemplo disso é a produção de alimentos no mundo.
Os alimentos produzidos nos diversos países são suficientes para alimentar as 7 bilhões de pessoas que existem no mundo. Mas a distribuição e o consumo dos alimentos não seguem a mesma regra. Estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indica que 1 em cada 9 pessoas sofre com a fome no mundo – cerca de 800 milhões de pessoas no total.

>> Veja: Mapa da Fome 2015 da FAO (em espanhol):

Essa desigualdade é fruto do modelo econômico em que estamos inseridos: o capitalismo.

Veja o gráfico produzido pelo ElPais:

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Na visão dos participantes, na economia capitalista os fins justificam os meios: visam o lucro, exploram o trabalho, o meio ambiente, e o individualismo. “As pessoas são tratadas como mercadorias”, pontuou uma das participantes. O assessor chama a atenção para o fato desse sistema econômico ser excludente. “É uma economia machista e racista – predominantemente branca”, aponta.

Aquelas 71 pessoas que ficaram com os três pedaços na distribuição de riquezas mundiais possuem o prato vazio de pão, mas cheio de adjetivos: miseráveis, bandidos, vagabundos, favelados, acomodados são alguns dos termos impostos àquelas pessoas que são excluídas socialmente por não terem alto poder de consumo. Essas pessoas são consideradas “descartáveis” no sistema em que vivemos.

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Mas há alguma alternativa para esse modelo de produção e consumo imposto na sociedade?

Um outro mundo é possível

As/os participantes da 6ª etapa da Escolinha indicaram conhecer uma forma de produzir e consumir que respeito o indivíduo e o ambiente que o cerca. A Economia Popular Solidária foi conceitualizada pelas pessoas presentes como um modelo que privilegia a cooperação, a solidariedade, o coletivo, a troca, e a produção e distribuição justas.

Cooperativas, Clubes de Troca, empreendimentos coletivos são exemplos de locais onde esse modelo de produção e consumo se desenvolve. Surgindo junto com o modo de produção capitalista (mas indo em sentido contrário), a Economia Solidária tem como uma de suas principais características a autogestão: a produção é marcada por uma gestão democrática, cooperativa e horizontal. Rompe-se a ideia de poder hierárquico e dominante.

Antônio Bez explica que a Economia Solidária é regida por lógicas diferentes daquelas estabelecidas no capitalismo: valoriza-se o “ser”, e não o “ter”; dá preferência ao “pequeno”, e não ao “grande”; busca o “suficiente”, e não o “crescimento ilimitado”.

Nesse modelo, a produção se dá conforme a necessidade, de uma maneira que respeite o trabalhador e a trabalhadora e o ambiente onde vivem. Toda produção é pensada e executada de forma a não explorar e financeirizar a natureza e o direito do próximo. No lugar de máquinas, valoriza-se o trabalho manual ou o uso da tecnologia como aliada, e não substituta do trabalho humano. Em vez de multinacionais, dá-se preferência ao comércio da região ou a redes de apoio que não explorem funcionários e funcionárias. Ao invés do lucro, o bem-estar do próximo.

A Economia Solidária é desenvolvida dentro da perspectiva de superação e emancipação do sujeito, a partir do princípio da solidariedade e da cooperação. Mais do que um modo de produzir e consumir, praticar a Economia Solidária envolve também a discussão e a reflexão política voltada à organização coletiva.

IMG_9167Que mundo estamos construindo?

Imaginemos agora que duas pessoas pescam em um rio. De repente, percebem que uma criança está vindo correnteza abaixo. Imediatamento uma das pessoas pula na água, e salva a criança. A outra apenas a observa. Minutos depois, duas crianças estão na água. Novamente, a pessoa salta no rio, mas consegue salvar apenas uma das crianças. Pouco a pouco, o número de crianças que cai na água é maior, mas como apenas uma das pessoas que estão na margem pulam no rio, a quantidade de crianças salvas é pequena. Desesperada, a pessoa pergunta a outra: “Por que você não me ajuda a salvar essas crianças?”. E vem a resposta: “Porque ao invés de tirá-las da água vou conferir o que está acontecendo para que elas estejam aí”.

Com essa alegoria, o assessor falou da prática da Economia Solidária como uma forma de pensar e entender a forma como a sociedade está estruturada atualmente. É preciso entender o problema em sua essência, para provocar transformações concretas. Essa transformação vai além da noção assistencialista de responsabilidade social adotada por algumas empresas. A superação da desigualdade não se dará apenas através da doação, mas do questionamento do sistema em que a desigualdade de desenvolve.

IMG_9169É preciso romper com a ideia de direitos sociais (como saúde, educação, alimentação, trabalho e moradia) como “presentes” oferecidos por determinados gestores públicos, mas visualizá-los como um direito inerente ao ser humano. Mais do que voltar os olhos as necessidades daqueles que sofrem a desigualdade social, é preciso voltar os olhos para aqueles que reforçam essa desigualdade.

A Economia Solidária vem como proposta de romper com essa lógica. Ao trazer o sujeito para o centro de debate, traz questionamentos ao sistema em que o indivíduo está inserido, e dá possibilidade de superação dessa condição excludente.

Materiais utilizados ou sugeridos ao longo do encontro:

-Cartilha Que mundo estamos construindo? Economia Popular Solidária
-Se os tubarões fossem homens?

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