Fonte: Brasil de Fato
Por Camilla Hoshino, Diangela Menegazzi e Ednubia Ghisi, de Curitiba (PR)
Segundo Bia Barboza, do Intervozes, “Sempre que se fala em um marco regulatório para o serviço de radiodifusão, imediatamente setores conservadores taxam a iniciativa como censura. Mas países como França, Inglaterra e Estados Unidos não são chamados de ditaduras por terem órgãos que regulam os meios de comunicação”.
Quem passou pela Praça Tiradentes, no centro de Curitiba, neste último sábado (14), pode ter notado uma agitação fora do comum. Pessoas fantasiadas de clown carregavam cartazes com a pergunta “Que TV você merece?” e interagiam com quem estava de passagem pela rua. Na caixa de som, o grito das mulheres que comandavam os batuques soava claro: “Democratize, democratize já! Democratize a comunicação!”. Enquanto isso, um megafone circulava pela praça transmitindo a mensagem do “Cordel pela Regulamentação da Comunicação”.
A intervenção fez parte do Encontro Paranaense pelo Direito à Comunicação (EPDC), que reuniu integrantes de movimentos sociais e sindicais, professores, estudantes de diferentes áreas e pessoas interessadas em discutir o cenário da comunicação no Brasil. Foram mais de cem pessoas, de vários cantos do estado, que lotaram o auditório da Faculdade Uninter, mas que também ousaram ultrapassar as catracas e levar o debate para a rua por meio de outras linguagens.
Organizado pela Frente Paranaense pelo Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão (Frentex-PR), entidade que compõe o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o EPDC acabou refletindo o resultado de um grande trabalho coletivo que começou no início de fevereiro. A preocupação em promover o debate plural no encontro, de apenas um dia, levou a uma metodologia participativa e descentralizada.
Direito à Comunicação
As questões que envolvem a efetividade do Direito à Comunicação foram apresentadas em um painel de debate que contou com a participação de Bia Barbosa, integrante do Intervozes e da coordenação nacional do FNDC, João Paulo Mehl, integrante do Coletivo Soylocoporti e da Frentex-PR e Ayoub Hanna Ayoub, coordenador do colegiado do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e presidente do Sindicato dos Jornalistas do Norte do Paraná.
Segundo Bia Barbosa, nossa legislação está defasada do ponto de vista tecnológico, onde já trabalhamos em um cenário de convergência de mídias sem mesmo ter garantido que princípios constitucionais fossem cumpridos. “Sempre que se fala em um marco regulatório para o serviço de radiodifusão, imediatamente setores conservadores taxam a iniciativa como censura. Mas países como França, Inglaterra e Estados Unidos não são chamados de ditaduras por terem órgãos que regulam os meios de comunicação”. Bia lembra que nos Estados Unidos, por exemplo, a legislação impede propriedade cruzada. “Donos de jornais e revistas não podem ter canais de rádio e televisão”, explica.
Ayoub Hanna Ayoub destacou a importância do papel de sindicatos, movimentos sociais, populares e também das universidades, em suas diversas áreas, na luta pela democratização dos meios de comunicação e disse das agressões que diversos setores sociais sofrem cotidianamente pela programação da grande mídia. “Está na hora de ter uma lei Maria da Penha para nos proteger das agressões dos grandes meios de comunicação, que diariamente ferem os direitos humanos e a pluralidade da informação”.
Luta no Paraná
O Paraná tem um importante histórico na luta pela democratização da mídia. Este panorama foi apresentado por João Paulo Mehl, que fez uma retrospectiva da luta no estado, desde meados de 2006, quando diversos atores sociais começaram a unir forças para lutar por uma mídia democrática e contra a concentração dos meios de comunicação que restringe a liberdade de expressão de diversos setores sociais.
“O movimento que criou a Frentex-PR, em 2011, também foi um dos responsáveis pela realização da Conferência Nacional de Comunicação. Aqui no Estado, realizamos uma grande mobilização em diversas regiões e conseguimos realizar uma das maiores conferência estaduais”. João Paulo diz ser importante esse resgate histórico para que todas as pessoas que chegam na discussão agora consigam acumular forças e seguir na luta com ainda mais fôlego.
Diversidade na comunicação
Ornamentado com bandeiras de movimentos sociais, sindicatos, entidades e faixas de protestos pedindo mais pluralidade e representação de diferentes grupos na mídia, o auditório do evento deu lugar a diferentes formas de expressão. Além de uma intervenção teatral no início da manhã, em que a diferença entre regulação e censura da mídia foi abordada, o microfone rodou tanto entre os mais experientes no assunto quanto entre aqueles que estavam iniciando o debate.
Para Hebe Gonçalves, participante do encontro e professora de jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), o debate sobre o direito à comunicação deve ser intensificado e ampliado para toda a sociedade. “O direito à comunicação é o mesmo que o direito à educação, à saúde, ao bem-estar social. A comunicação é um bem público e nós também devemos reivindicar que esse direito de fato se efetive, se concretize”, defende.
A estudante de jornalismo Rafaela Cortes deu ênfase à importância de diversificar as culturas presentes na mídia, ultrapassando, por exemplo, o sotaque padrão do jornalismo. “A democratização da mídia é muito importante para a sobrevivência da cultura popular, porque se você generalizar – fazer, por exemplo, um padrão do jornalismo – a pessoa tem que falar com um sotaque, tem que agir de uma certa forma, isso é excluir a voz de uma cultura, por que o curitibano não pode falar com o seu sotaque num programa jornalístico?”, indaga.
Wellington Lenon, do setor de Comunicação do MST no Paraná, participou do EPDC junto com outros militantes do movimento vindos do interior do Estado. O jovem reforçou o apoio do movimento à luta pela democratização da comunicação. “Nos seus 30 anos de história, o movimento sem terra passou e passa por uma criminalização muito forte da grande mídia. Por isso, estamos na luta para construir outros meios, outras formas de comunicação, também fortalecendo a formação de nossa juventude, nas escolas, dentro do acampamento, para que todos entendam a importância de democratizar a mídia”.
Com objetivo de discutir questões relativas à necessidade de que o Brasil estabeleça um marco regulatório para a radiodifusão, depois do painel da manhã, os participantes formaram grupos de debate em torno de cinco temas principais: audiovisual e a representação das identidades regionais e locais; comunicação pública no Paraná e no Brasil; comunicação popular, comunitária e educomunicação; mídia e diretos humanos e Marco Civil da Internet e o futuro da internet no Brasil.
Ana Paula Salamon, jornalista que integra a Frentex-PR em Curitiba, avalia que o evento representou uma retomada do movimento pela democratização da mídia no Paraná: “Foi uma oportunidade para que diversos atores ligados à essa bandeira, seja na universidade, na escola, no grupo de pesquisa, na entidade em que atua, no movimento em que milita, enxerguem a urgência e as possibilidades de se articularem ente si para garantir a existência de outro sistema de comunicação”.
As propostas levantadas por cada um dos grupos formarão um documento final do encontro, que subsidiará a participação de representantes do Paraná no Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, em abril, na cidade de Belo Horizonte.